domingo, 3 de agosto de 2014

O QUE DIZ KARDEC SOBRE MAOMÉ E O ISLÃ:



Em carta publicada nesta mesma edição, uma leitora radicada na Holanda diz ter estranhado o que Kardec escreveu na Revista Espírita sobre o Islã. Segundo ela diz, o Alcorão teria várias passagens que induzem à violência e ao ódio. E mais: o que os jihadistas estão fazendo agora não é nada que não esteja incluso no Alcorão.

É bom lembrar que o Antigo Testamento contém igualmente passagens em que a indução à guerra e à violência é bastante explícita. Aliás, a chamada Terra da Promissão não foi dada por Deus ao povo conduzido por Moisés, mas tomada à força, mediante a agressão, a guerra e a morte.

Não conhecemos o inteiro teor do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, mas podemos deduzir que determinadas passagens mencionadas pela leitora talvez se devam ao fato de que se trata de uma obra mediúnica que foi certamente publicada sem o necessário exame, algo tão importante quando se trata da publicação de obras supostamente ditadas por Espíritos.

Segundo Léon Denis, Maomé, o fundador do Islã, redigiu o Alcorão sob o ditado de um Espírito, que adotou, para se fazer escutar, o nome e a aparência do anjo Gabriel. (Cf. No Invisível, 3ª Parte. XXVI - A mediunidade gloriosa.)

Acerca das faculdades mediúnicas de Maomé, assim escreveu E. Bonnemère: “Maomé caía de vez em quando num estado que metia medo aos que em torno se achavam. Nesses momentos em que sua personalidade lhe fugia e ele se sentia subjugado por uma vontade mais poderosa que a sua, subtraía-se às vistas estranhas. Os olhos, desmesuradamente abertos, se tornavam fixos e sem expressão; imóvel, Maomé parecia invadido por um desfalecimento que nada lograva dissipar. Em seguida, pouco a pouco, a inspiração fluía, e ele escrevia, com vertiginosa rapidez, o que vozes misteriosas lhe ditavam”.

A natureza mediúnica do Alcorão é também citada por Kardec em dois longos artigos publicados na Revista Espírita de 1866, dos quais extraímos as informações seguintes.

No princípio a religião dos árabes consistia na adoração de um Deus único, a cuja vontade o homem devia ser completamente submisso. Essa religião, que era a de Abraão, chamava-se Islã e os que a professavam diziam-se muçulmanos, isto é, submetidos à vontade de Deus. Pouco a pouco, porém, o puro Islã degenerou em grosseira idolatria. Cada tribo tinha seus deuses e seus ídolos e isso foi a causa de muitas guerras entre elas.

Havia, contudo, em certas tribos homens piedosos que adoravam a Deus único e repeliam o culto dos ídolos. Chamados Hanyfas, eram eles os verdadeiros muçulmanos, que conservavam a fé pura do Islã, embora fossem pouco numerosos e com escassa influência sobre as massas.

Nascido em Meca no dia 27 de agosto de 570, no seio da tribo dos Coraychitas, uma das mais importantes da Arábia, Maomé tinha o espírito meditativo e sonhador e um caráter de uma solidez e maturidade tão precoces, que seus companheiros o designavam pelo sobrenome de El-Amin, “o homem seguro, o homem fiel”.

Mesmo quando jovem e pobre, convocavam-no às assembleias da tribo para os negócios mais importantes. Fazia parte, então, de uma associação formada entre as principais famílias coraychitas, cujo objetivo era prevenir as desordens da guerra, proteger os fracos e lhes fazer justiça.

Até os 49 anos, quando morreu sua esposa Khadidja, sua vida pacífica nada apresentara de saliente. Apenas um fato o tirou um instante da obscuridade. Foi quando, estando Maomé com 35 anos, os coraychitas resolveram reconstruir a Caaba, que ameaçava ruína. Sua intervenção numa polêmica suscitada na época satisfez a todos.

Aos 40 anos, no monte Hira, teve ele uma visão durante o sono: o anjo Gabriel lhe apareceu mostrando-lhe um livro que o aconselhou a ler. Três vezes resistiu a essa ordem e só para escapar ao constrangimento sobre ele exercido é que consentiu em o ler. Ao despertar, disse ter sentido “que um livro tinha sido escrito em seu coração”, frase posteriormente tomada ao pé da letra por seus seguidores.

Maomé ficou profundamente perturbado em sua visão e, tendo voltado ao monte Hira, presa da mais viva agitação, julgou-se possuído por Espíritos malignos e ia precipitar-se do alto de um rochedo quando uma voz se fez ouvir: “Ó Maomé! tu és enviado de Deus; eu sou o anjo Gabriel!” Então, levantando os olhos, viu o anjo sob forma humana, que desapareceu pouco a pouco no horizonte. Essa nova visão aumentou-lhe a perturbação, embora a esposa se esforçasse por acalmá-lo.

Varaka, primo dela, velho afamado por sua sabedoria e convertido ao Cristianismo, lhe disse: “Se o que acabas de dizer é verdade, teu marido foi visitado pelo grande Nâmous, que outrora visitou Moisés; ele será profeta deste povo”. A missão de Maomé não foi, pois, um cálculo premeditado de sua parte, porque ele mesmo só se convenceu depois de nova aparição do anjo. Nesse período, ele era sujeito a desfalecimentos e síncopes.

O Alcorão não é uma obra escrita por Maomé com a cabeça fria e de maneira continuada, mas o registro feito por seus amigos das palavras que pronunciava quando inspirado. Nesses momentos, ele caía num estado extraordinário e apavorante; o suor corria-lhe da fronte; os olhos tornavam-se vermelhos; ele soltava gemidos e a crise terminava geralmente por uma síncope que durava mais ou menos tempo, estando ele em casa, montado em seu camelo ou em meio à multidão. “A inspiração”, diz Kardec, “era irregular e instantânea, e ele não podia prever o momento em que seria tomado.” (Revista Espírita de 1866, pág. 233.)

Mais tarde, quando tomou a sério seu papel de reformador, Maomé falava mais com conhecimento de causa e misturava às inspirações o produto de seus próprios pensamentos, conforme os lugares e as circunstâncias, acreditando, talvez de boa-fé, falar em nome de Deus. O fato, porém, é que os fragmentos do que ele pronunciara, destacados e recolhidos em diversas épocas, em número de 114, formam no Alcorão as suratas ou capítulos. Esparsos durante sua vida, foram reunidos após sua morte num corpo oficial de doutrina, pelos cuidados de Abu-Becr e de Omar. Os mais diferentes assuntos são aí tratados, e apresentam uma tal confusão e tão numerosas repetições, que uma leitura seguida é penosa e fastidiosa para quem quer que não seja um fiel.

As primeiras prédicas de Maomé foram secretas durante os primeiros dois anos, em que ele se ligou a cerca de 50 adeptos, entre membros de sua família e amigos.

Foi em Medina que Maomé mandou construir a primeira mesquita, em que trabalhou com as próprias mãos e organizou um culto regular. Ali ele pregou pela primeira vez em 623. Dois anos após instalar-se em Medina, os Coraychitas de Meca, unidos a outras tribos hostis, sitiaram a cidade. Maomé teve de defender-se, iniciando-se para ele um período guerreiro que durou dez anos e durante o qual se mostrou um tático hábil. Como a guerra era o estado normal daqueles povos, que só conheciam o direito da força, ao chefe era necessário o prestígio da vitória para firmar sua autoridade. A persuasão exercia efeito reduzido sobre aquela gente turbulenta e uma grande mansuetude teria sido tomada como fraqueza. É por isso que, mesmo sem querer, o grande líder fez-se guerreiro.

O sucesso de Maomé em tantas batalhas foi realmente notável, pois, com exceção de um dos primeiros combates, em 625, em que foi ferido e os muçulmanos derrotados, suas armas foram sempre vitoriosas, a ponto de em poucos anos submeter a Arábia inteira à sua lei. Maomé pôde, então, entrar triunfalmente em Meca, após dez anos de exílio, seguido por perto de cem mil peregrinos, realizando ali a célebre peregrinação dita de adeus, cujos ritos os muçulmanos conservaram escrupulosamente, porque no mesmo ano, dois meses depois de seu regresso a Medina, em 8 de junho de 632, ele morreu.

Sobre Maomé e sua obra, Kardec destaca os seguintes pontos que achamos importante transcrever:


É um equívoco, disseminado pelos adversários de Maomé, apresentá-lo como um indivíduo ambicioso, sanguinário e cruel.


Também não se deve torná-lo responsável pelos excessos de seus sucessores, que pretenderam conquistar o mundo para a fé muçulmana de espada em punho.


Maomé, mesmo em meio aos seus sucessos, havendo chegado ao topo de sua glória, fechou-se no seu papel de profeta, sem jamais usurpar uma autoridade temporal despótica: não se fez rei, nem potentado e jamais se manchou, na vida privada, por nenhum ato de barbárie ou de cupidez.


Se o papel de guerreiro lhe foi uma necessidade e se esse papel pode escusá-lo de certos atos políticos, há, no entanto, alguns senões que ele poderia ter evitado, como a consagração da poligamia em sua religião, que foi o seu mais grave erro, pois isso opôs uma barreira entre o Islamismo e o mundo civilizado.


Permitindo quatro mulheres legítimas, Maomé esqueceu que, para que sua lei se tornasse a da universalidade dos homens, era preciso que o sexo feminino fosse ao menos quatro vezes mais numeroso que o masculino.


Apesar de suas imperfeições, o Islamismo não deixou de ser um grande benefício para a época em que apareceu e para o país onde surgiu, porque fundou o culto da unidade de Deus sobre as ruínas da idolatria. A religião cristã tinha muitas sutilezas metafísicas, por isso é que todas as tentativas para a implantar nessas regiões tinham falhado.


Compreendendo os homens de seu tempo, Maomé deu-lhes uma religião apropriada às suas necessidades e ao seu caráter.


Bastante simples, o Islamismo prega a crença num Deus único, que vê nossas ações mais secretas e que premia ou castiga, numa outra vida, os atos que cometemos. O culto islâmico consiste na prece, repetida cinco vezes por dia, nos jejuns e mortificações do mês de ramadã, e em certas práticas, como as abluções diárias, a abstenção do vinho, das bebidas inebriantes e da carne de certos animais.


A sexta-feira foi adotada como o dia santo da semana e Meca indicada como o ponto para o qual todo muçulmano deve voltar-se ao orar.


A atividade pública nas mesquitas consiste em preces em comum, sermões, leitura e explicação do Alcorão.


A proibição de reproduzir pela pintura ou escultura qualquer ser vivo foi feita visando a destruir a idolatria e impedir que ela se renovasse.


A peregrinação a Meca, que todo fiel deve realizar ao menos uma vez na vida, é um ato religioso, mas seu objetivo na época era aproximar, por um laço fraternal, as diversas tribos inimigas, reunindo-as num mesmo lugar consagrado.


A religião muçulmana admite o Antigo Testamento por inteiro, até mesmo Jesus, que reconheceu como profeta. Segundo Maomé, Moisés e Jesus foram enviados por Deus para ensinar a verdade aos homens. Como os Dez Mandamentos, o Evangelho é a palavra de Deus, mas os cristãos teriam alterado o seu sentido.


No último discurso que pronunciou em Meca, pouco antes de sua morte, Maomé aconselhou seus seguidores a que fossem humanos e justos, guardando-se de cometer injustiça, porque um dia todos apareceremos diante do Senhor e ele pedirá contas de nossas ações.

Das suratas selecionadas por Kardec, eis algumas frases marcantes que permitem aquilatar o valor da referida obra:

“Deus não exigirá de nós senão conforme as nossas forças.”

“Jamais digas: Farei isto amanhã, sem acrescentar: se for a vontade de Deus.”

“Deus exalta as boas obras, mas pune rigorosamente o celerado que trama perfídias.”

“Nada no céu e na terra pode opor-se às vontades do Altíssimo.”

“Jesus é filho de Maria, enviado do Altíssimo e seu Verbo.”

“Crede em Deus e nos apóstolos; mas não digais que há uma trindade em Deus. Ele é uno.”

“Os que sustentam a trindade de Deus são blasfemos; há apenas um só Deus.”

“Se te acusarem de imposturas, responde-lhes: Tenho por mim as minhas obras; que as vossas falem em vosso favor.”

“Fazei prece, dai esmolas; o bem que fizerdes encontrareis junto a Deus, pois ele vê as vossas ações.”

“Para ser justificado não basta virar o rosto para o Oriente e para o Ocidente; é preciso ainda crer em Deus, no juízo final, nos anjos, no Alcorão, nos profetas. É preciso pelo amor de Deus socorrer o próximo, os órfãos, os pobres, os viajantes, os cativos e os que demandam.”

“Se vosso devedor tem dificuldade em vos pagar, perdoai-lhe o tempo; ou se quiserdes fazer melhor, perdoai-lhe a dívida.”

“A vingança deve ser proporcional à injúria; mas o homem generoso que perdoa tem sua recompensa assegurada junto a Deus, que odeia a violência.”

“Deus ama a beneficência.”

“Os jardins do Éden serão a habitação dos justos.”

Em face de conselhos tão sensatos e justos, alguém há de perguntar: – Como podem partidários do Islã valer-se do Alcorão para cometer atos de barbárie e terrorismo?

Não nos custa, porém, refrescar a memória e lembrar os desmandos da Inquisição, que ao longo dos séculos perseguiu e matou um número incalculável de pessoas, uma mancha inapagável da Igreja de Roma, que agiu de igual forma, ao arrepio do que recomenda o Evangelho do reino.

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